Um escândalo ambiental
Sorrateiramente, por caminhos que ainda carecem de um melhor esclarecimento, toneladas de suposto lixo doméstico da Europa chegaram aos portos de Santos e do Rio Grande há cerca de um mês. O que, em princípio, pareceu algo curioso, representa, na verdade, a um escândalo ambiental, a ponta de um imenso iceberg com implicações diretas para a saúde de toda a população.Informações obtidas junto à Receita Federal, Polícia Federal e Ibama apontam para um esquema de exportação fraudulento que, aparentemente, acontece há mais de 20 anos. Um dos indícios mais graves desse negócio ocorreu em 2003, aqui mesmo no porto de Santos.
Casos similares já foram flagrados em outros portos sul-americanos. Na África e sudeste asiático, a importação de lixo tóxico já foi motivo de protestos diplomáticos, a partir de denúncias feitas por organizações ambientais e humanitárias.
Segundo Zeina Al Hajj, do Greenpeace, existe uma máfia, principalmente na Europa, que se aproveita dos altos custos para o depósito correto desse tipo de material. A alternativa é contrabandear os resíduos, principalmente para os países do chamado Terceiro Mundo.
No caso de lixo eletroeletrônicos (carcaças de celulares, computadores, aparelhos de tevê etc), a estratégia é exportá-los sob o argumento de que se trata de produtos para "diminuir a exclusão digital' dos menos favorecidos. Para driblar a fiscalização, os contêineres são classificados como contendo produtos eletrônicos para doação.
No sudeste asiático, outro destino desse tipo de resíduo, as placas e circuitos acabam sendo reciclados para retirada de prata, ouro e outros metais nobres. O problema é que isso é feito em galpões improvisados, sem qualquer controle, simplesmente derretendo o material e lançando nuvens tóxicas na atmosfera.
"Imagine um porto como o de Roterdã (Holanda), onde, a cada dia, milhões de novos contêineres chegam e saem. É impossível abrir e fechar todos eles. Existe uma máfia que opera por trás desses esquemas", diz Hajj.
SEM FISCALIZAÇÃO
A situação já é do conhecimento, inclu- sive, da ONU, por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUE). Nos relatórios de 2005 e 2006, há casos documentados de exportação de lixo tóxico para a Somália, Zaire, Moçambique, Eritréia e Argélia. Estima-se que em 2001 mais de 600 mil toneladas de lixo nuclear tenham sido desembarcadas clandestinamente na África.
Para frear essas exportações, a ONU criou em 1989 um acordo assinado hoje por mais de 160 nações, tendo por meta banir a exportação de equipamentos tóxicos de países ricos para pobres. Porém, menos de 60 países já ratificaram a chamada Convenção de Basel. Continuam de fora, entre outros, Estados Unidos e Canadá.
A União Europeia, por sua vez, aprovou em 2003 a Diretiva para Lixo Elétrico e Equipamentos Eletrônicos (Waste Electrical and Electronic Equipment Directive - WEEE), que se tornou lei em fevereiro de 2003. Ela determina metas de coleta e reciclagem aos fabricantes de eletrônicos.
Para muitos especialistas, a falta de fiscalização proporciona o crescimento das máfias que atuam na exportação do lixo tóxico. Estas, por sua vez, contam com as precárias barreiras alfandegárias existentes na maioria dos países pobres ou em desenvolvimento. "Quando se descobre um caso, percebemos que é apenas a ponta de um imenso iceberg", afirma Hajj.