Notícias


Supremo faz maior julgamento da história

Sete anos depois de o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) deflagrar a crise política que se transformou no maior escândalo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar o chamado mensalão nesta quinta-feira. Há quem o chame de "o maior escândalo político do século". Outros poucos, entre eles autoridades do governo Dilma Rousseff e uma minoria de ministros do STF que tenta reduzir a pressão existente sobre a Corte, ponderam que este é um processo como qualquer outro. Mas o fato é que o veredito da Ação Penal 470, como ministros do Supremo têm preferido se referir ao mensalão, definirá mais do que o destino dos 38 réus acusados de integrar o esquema de desvio de recursos públicos e compra de apoio parlamentar pelo Executivo: estão na mesa também o legado político do governo Lula e do PT, a confiança na independência do Judiciário, a eficácia do Ministério Público em produzir provas sólidas e os controles contra a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Em sua história, nunca o Supremo julgou um processo com tamanha repercussão. A elite dos advogados criminalistas brasileiros está na defesa dos 38 denunciados, além de dirigentes do PT e outros partidos governistas, parlamentares, executivos de instituições financeiras e um dos publicitários mais badalados do país. O julgamento deve durar pelo menos um mês, e ocorrerá durante o período eleitoral. Ao fim de uma maratona de sessões, os 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal decidirão se houve corrupção ativa e passiva, evasão de divisas, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos e formação de quadrilha.

Pelo menos por enquanto, porém, o clima de tranquilidade nas ruas de Brasília não reflete a tensão existente nos corredores do Congresso e em alguns gabinetes da capital federal - apesar da ameaça de sindicalistas de mobilizar militantes pela absolvição dos réus e do pedido feito pelo presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, para que a Força Nacional de Segurança Pública fosse acionada para garantir a integridade do tribunal.

No primeiro sinal de que o governo Dilma Rousseff fará o que puder para se manter longe das polêmicas relacionadas ao julgamento, a demanda foi alvo de críticas no Executivo. Para autoridades do governo, a ocupação da Praça dos Três Poderes por agentes federais enviaria a negativa mensagem de que o Brasil não possui a estabilidade institucional esperada em uma democracia consolidada.

A oposição, por sua vez, sustenta que foi o próprio mensalão que colocou a democracia em xeque. Segundo as alegações finais apresentadas pela Procuradoria-Geral da República, montou-se no primeiro mandato do ex-presidente Lula um esquema de distribuição de recursos para garantir sua sustentação no Congresso. Na visão do Ministério Público, o "chefe da quadrilha" seria o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Já a distribuição do dinheiro era responsabilidade do publicitário Marcos Valério, que contava com a ajuda do Banco Rural.

Todos eles rechaçam as acusações. Segundo os réus, as verbas eram provenientes de empréstimos tomados pelo PT no Banco Rural e BMG para pagar dívidas de campanhas eleitorais do partido e de siglas aliadas. Assim, a prática de caixa dois foi batizada de "recursos não contabilizados" na estratégia de defesa petista.

Caberá ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tentar derrubar essa tese logo no primeiro dia do julgamento. O chefe do Ministério Público terá cinco horas para fazer a acusação, depois do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, resumir o caso.

Para a Procuradoria-Geral da República, a quadrilha que atuou entre janeiro de 2003 e junho de 2005, estava dividida em três núcleos: político, operacional e financeiro. "As provas colhidas no curso da instrução, aliadas a todo o acervo que fundamentou a denúncia, comprovou a existência de uma quadrilha, composta pelos réus José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Augusto Dumond (falecido), Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, constituída pela associação estável e permanente dos seus integrantes, com a finalidade da prática de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, contra a fé pública e lavagem de dinheiro", destacou Gurgel em suas alegações finais.

O núcleo político do esquema era composto por Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-secretário-geral do partido Sílvio Pereira, e o ex-presidente da sigla e atual assessor do Ministério da Defesa José Genoino. Ao lado de Marcos Valério e Ramon Hollerbach, sócio do publicitário, os quatro foram os primeiros citados na denúncia. Por isso, seus advogados serão também os primeiros a fazer as sustentações orais de suas defesas. A exceção é Sílvio Pereira, que fez um acordo com a Justiça para pagar penas alternativas em troca de ver seu nome retirado do processo.

Na visão de Gurgel, o núcleo operacional do mensalão era integrado não só por Valério e Hollerbach, mas também por Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Tolentino e Paz são sócios de Valério, e as outras duas trabalharam nas empresas de comunicação do empresário.

Já o núcleo financeiro era formado pelos principais executivos do Banco Rural, apontou Gurgel: "Visando à obtenção de vantagens indevidas, consistentes no atendimento dos interesses patrimoniais da instituição financeira que dirigiam, proporcionaram aos outros dois núcleos o aporte de recursos que viabilizou a prática dos diversos crimes objeto da acusação, obtidos mediante empréstimos simulados, além de viabilizarem os mecanismos de lavagem que permitiram o repasse dos valores".

O desafio da defesa será justamente desmontar a tese construída pela Procuradoria-Geral da República. Para tanto, os advogados dizem apostar numa "avaliação técnica" dos autos pela maioria dos ministros do Supremo. Em outras palavras, pretendem demonstrar que a peça apresentada pela acusação contém provas frágeis e não comprova a existência do esquema.

Dirceu e Genoino, por exemplo, argumentam que não tiveram participação alguma na decisão tomada por Delúbio Soares de buscar os bancos Rural e BMG para saldar as dívidas do partido. Ambos negam ter relações com Valério. Por sua vez, o ex-tesoureiro do PT fia-se na versão de que houve caixa dois, mas que não há vinculação entre o repasse a aliados e votações no Parlamento. Além de advogar a legalidade dos empréstimos ao PT, a defesa de Marcos Valério sustenta que o publicitário não teve vínculo criminoso com os demais réus e não sabia do destino do dinheiro entregue ao PT.

Os réus do núcleo financeiro do esquema também rebatem as acusações, dizendo que os empréstimos ao PT foram regulares e não visavam a obtenção de vantagens do governo que acabara de ser eleito. Fazem parte também dessa ala os donos das corretoras Bônus-Banval e Natimar, acusadas de repassar recursos de Marcos Valério ao PP. Seus advogados sustentam que as operações foram legais e os réus desconheciam a origem dos recursos.

Na outra ponta do esquema, narrou o procurador-geral, estão os parlamentares e integrantes de partidos que receberam os recursos distribuídos por meio do chamado "valerioduto". Constam da lista políticos de diversas legendas governistas

A conclusão das sustentações orais dos advogados está prevista para meados do mês, a partir de quando o relator e os demais ministros apresentarão seus votos. Eles não terão apenas que avaliar a responsabilidade direta de cada acusado. Precisarão também dosar a pena de cada um, o que aumenta o risco de a Corte ficar desfalcada antes da conclusão do julgamento. O ministro Cezar Peluso aposenta-se no início de setembro e, como ele é um dos últimos a votar, pode se ver forçado a antecipar sua posição. Isso pode ser alvo de questionamentos da defesa.



 

 

  •   Av. Coronel Eugenio Muller, 383 - Centro, Itajaí - SC
  •   (47) 3241-9100 | (47) 98805-3702
  • ogmo@ogmoitajai.com.br