Vieira contrariou procuradoria da Antaq
A influência do diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Rodrigues Vieira, preso e afastado do cargo depois que a Polícia Federal deflagrou a Operação Porto Seguro, pode ter se estendido a um número maior de empresas no porto de Santos. Antes de ser nomeado para a ANA, Vieira ocupou por cinco anos o cargo de ouvidor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
O Valor teve acesso a um parecer deste período no qual Vieira, contrariando posições da Procuradoria-Geral da agência, defendeu interesses da Deicmar, companhia que movimenta carros no porto de Santos, em uma discussão sobre incorporação de áreas pela empresa.
A Antaq e a ANA instauraram procedimentos internos para apurar fatos e responsabilidades de Vieira nas agências.
A sindicância da Antaq, que tem 30 dias para chegar a uma conclusão, deverá analisar o caso do parecer em que Vieira atuou em favor da Deicmar.
Procurada para confirmar se a Deicmar faz parte da investigação da Operação Porto Seguro, a Polícia Federal (PF) disse que não informa nomes de pessoas físicas e jurídicas investigadas. Segundo a PF, os diretores de agências reguladoras que foram presos continuam sob custódia e foram detidos em razão da vigência de mandado de prisão preventiva.
Paulo Vieira, apontado como suposto chefe de uma organização criminosa que se infiltrou em diversos órgãos federais para a obtenção de pareceres técnicos fraudulentos com o fim de beneficiar interesses privados, é um deles. Procurado, o advogado de Vieira não retornou a ligação.
O maior negócio flagrado na operação da Polícia Federal foi a aprovação para construção de um complexo portuário com investimento de R$ 2 bilhões na Ilha de Bagres, ao lado de Santos, segundo noticiou ontem a "Folha de S. Paulo".
A empresa responsável pelo projeto, a São Paulo Empreendimentos Portuários (SPE), conseguiu o aforamento oneroso da Ilha de Bagres.
A ilha fica no estuário de Santos, mas fora da área do porto organizado, portanto não está sob a alçada da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
A SPE pretende investir R$ 2 bilhões na construção de um complexo privativo de cerca de 1,2 milhão de metros quadrados que inclui estaleiro de reparos navais e instalações de apoio offshore.
O Valor apurou que a demissão do procurador-geral da Antaq, Glauco Alves Cardoso Moreira - um dos três funcionários da agência demitidos na terça por decisão da presidente Dilma Rousseff -, foi motivada por parecer jurídico encaminhado à Advocacia Geral da União (AGU) relacionado à declaração, para fins de utilidade pública e desmatamento, da área da Ilha de Bagres.
Fontes entendem que, embora o projeto de Bagres esteja no centro da investigação, outros casos poderão vir à tona.
O caso da Deicmar ocorreu em 2008, quando Vieira ainda estava no primeiro mandato como ouvidor-geral da agência. Em setembro daquele ano, o ex-procurador-geral da Antaq, Aristarte Gonçalves Junior, emitiu parecer solicitando instauração de processo administrativo contencioso (PAC) para apurar supostas irregularidades em contrato de ampliação de área entre a Deicmar e a Codesp, sem a prévia autorização da Antaq.
O que estava em jogo era a incorporação de mais de 60 mil metros quadrados à área da Deicmar, em Santos.
No parecer, o ex-procurador cita a intervenção no processo do então ouvidor-geral, Paulo Vieira: "(...) Ocorre que, aquela Ouvidoria-Geral, em sua manifestação, expôs entendimento contrário aos posicionamentos técnicos e jurídicos da Agência anteriormente emitidos sobre a matéria, tendo concluído [Vieira], em síntese, que 'não há nos autos nem mesmo distante sinal de conduta irregular da Codesp e da arrendatária..."
Vieira sugeriu que não fosse instaurado o PAC. No parecer, o procurador disse que era prerrogativa da comissão processante efetuar as diligências e fiscalizações sobre o caso.
Em nota, a Antaq informou ontem que instaurou o PAC contra a Codesp para apurar as supostas irregularidades.
O desfecho foi a aplicação, pela agência, de advertência à Codesp. Segundo a agência, foi negado o adensamento da área de 59 mil metros quadrados e convalidado só o adensamento de 5 mil metros quadrados.
A Deicmar movimenta quase metade das cargas rolantes, basicamente veículos, de Santos.
O contrato da empresa é de 1991 e terminou em 2011. A empresa, de capital fechado, figura na lista dos cerca de cem terminais cujos contratos são anteriores à Lei dos Portos e venceram ou estão prestes a terminar.
A Deicmar afirmou que as áreas discutidas pelo parecer, em 2008, são, na verdade, reincorporação de terrenos originalmente pertencentes à empresa. Em 2007, por razão que a empresa diz desconhecer, a Codesp extinguiu um termo de permissão de uso da Deicmar de 63 mil metros quadrados.
A Codesp encaminhou o processo para aprovação da Antaq.
Em 2007, a agência avaliou que a Codesp não cumprira as exigências documentais para reincorporação das áreas ao contrato de arrendamento da Deicmar, razão pela qual decidiu não aprovar o aditivo contratual. Ao saber da decisão, a Deicmar solicitou vistas ao processo. "Devido à demora em se conceder tais informações, acionamos a ouvidoria do órgão, que na época era chefiado pelo sr. Paulo Vieira", disse o diretor da Deicmar, Gerson Foratto.
Ele disse nunca ter tido prévio contato com Vieira. Antes da Antaq, Vieira foi do conselho fiscal da Codesp. Foratto disse que a ouvidoria da Antaq não elaborou parecer sobre o processo, mas expressou opinião de que a Codesp e a empresa seguiam o processo de forma legal, e que caberia à diretoria da agência se manifestar sobre o assunto.