A Medida Provisória 595: mudanças no marco regulatório do setor portuário no Brasil
O setor portuário esteve à espera, nos últimos meses, de um pacote de investimentos e mudanças no marco regulatório. Em 2008, o governo federal editou o Decreto 6.620, com base na Lei 8.630 (Lei de Modernização dos Portos) e na Lei 10.233 (que instituiu a ANTAQ).
Algumas das características mais marcantes do Decreto 6.620 eram (i) a disciplina da concessão de portos como um todo, não apenas de instalações ou terminais portuários, e (ii) a definição de diferenças claras entre os terminais de uso público e os de uso privativo, baseadas na exigência de que os terminais de uso privativo deveriam movimentar principal ou exclusivamente sua carga própria. Dizia-se que, após o Decreto 6.620, terminais de uso privativo sem carga própria predominante, como Embraport, Itapoá, Portonave e Cotegipe[1], não mais poderiam ser criados.
O Decreto 6.620, por si só, foi insuficiente para evitar que Itapoá entrasse em operação comercial e a Embraport praticamente concluísse as suas obras de construção, bem como para provocar a adaptação ou o fechamento dos terminais de Portonave e Cotegipe. Um processo em andamento no Tribunal de Contas da União (TCU) tende a ser encerrado com determinações e sanções dirigidas à ANTAQ para que a situação de tais terminais seja corrigida (TC-015.916/2009-0).[2] Embora a instrução técnica do TCU seja fortemente a favor da rejeição de terminais de uso privativo que atuem como se fossem de uso público (isto é, sem carga própria predominante), tais como os quatro já referidos, o caso ainda não foi examinado pelo Tribunal. Não se sabe se o Tribunal irá seguir o relatório da área técnica, especialmente depois da edição da MP 595.
A MP 595 consiste em uma medida provisória. Trata-se de instrumento legislativo editado pelo Presidente da República, sujeito a posterior aprovação pelo Congresso Nacional. Tem força de lei por 60 dias, prorrogáveis por igual período. Até o final dos 120 dias a MP deve ser convertida em lei.
Caso rejeitada ou não apreciada, não poderá ser reapresentada senão na legislatura seguinte. A edição da MP pressupõe que a matéria seja “relevante” e “urgente”. Estes são conceitos abertos e indeterminados. Nem o Congresso nem o Judiciário dispõem-se normalmente a controlá-los. Porém, o Congresso já teve a oportunidade de rejeitar medidas provisórias por falta de tais requisitos. Um exemplo é o da MP 320, que regulava um novo regime para osportos secos (denominado “CLIA”). Foi rejeitada porque não haviam sido cumpridos simultaneamente os dois requisitos, convertendo-se a MP em projeto de lei. É pelo menos possível que o mesmo possa ocorrer com a MP 595.
Durante os 120 dias da tramitação esperada da MP 595, serão discutidas as 646 propostas de emenda apresentadas por parlamentares de todos os matizes políticos. Uma comissão especial foi nomeada para examinar e formular um relatório sobre as emendas e apresentar, se for o caso, uma versão revisada ou um substitutivo para a lei de conversão.
As posições-chave na comissão serão as de presidente e relator – este, encarregado de preparar um relatório inicial e submetê-lo à apreciação da comissão. Tais posições devem ser preenchidas só quando do reinício do ano legislativo, em fevereiro. Já então o Congresso terá um novo presidente, o que poderá introduzir um novo fator político.
Sob uma presidência recentemente eleita, o Congresso pode-se ver politicamente mais disposto a promover mudanças no diploma em relação ao texto original do Poder Executivo. Se o Congresso aprovar a versão submetida pelo Executivo ou outra sobre a mesma matéria, tratar-se-á de uma “lei de conversão”, que será editada com plena força de lei. Se, ao contrário, a MP for rejeitada pelo Congresso, deve haver um decreto legislativo regulando os atos praticados na vigência da MP.