Para setor, MP dos Portos inibe investimentos
A comissão mista que debaterá a Medida Provisória 595 (a MP dos Portos) será instalada na volta do recesso parlamentar num ambiente de insatisfação entre empresários, trabalhadores e políticos da própria base governista.
A euforia inicial no lançamento do pacote dos portos pelo Planalto, cujo mote era destravar investimentos, deu lugar a críticas quanto à fragilidade jurídica da MP, que revogou a Lei dos Portos, considerada um dos únicos consensos no setor.
Após analisar a MP, publicada no dia 7 de dezembro, o setor, dividido entre os terminais de uso privado e de uso público, concorda em pelo menos um ponto. Aprovado tal como está, o pacote pode ter um efeito contrário, inibindo investimentos.
O número de emendas apresentadas por parlamentares dá o tom da insatisfação: 645. O recordista foi o deputado federal Márcio França (PSB-SP), vice-líder do partido na Câmara, que apresentou 89 propostas de alteração.
As principais emendas giram em torno das regras para terminais privados, que teriam sido favorecidos em relação aos de uso público, e das limitações à atuação dos órgãos gestores de mão de obra (Ogmos), responsáveis pela escalação dos trabalhadores portuários.
"Um assunto dessa natureza tem tantas nuances, tantas visões, que avalio que deveria ter sido debatido pelo setor", afirma França.
"Para [o porto de] Santos, a MP é um desastre".
França espera um embate difícil na comissão mista que analisará a MP e deverá ser instalada no dia 4 de fevereiro.
"Estou trabalhando para que o relator seja do nosso partido, já que o tema é afeto à Secretaria de Portos", afirmou ao Valor.
A Secretaria de Portos (SEP) é comandada pelo PSB. O ministro dos Portos, Lêonidas Cristino, foi indicado na cota dos irmãos Cid e Ciro Gomes.
Mesmo entre os defensores dos terminais privados há descontentamento.
O fim da exigência da carga própria foi comemorado, em princípio, como um aceno liberalizante do governo.
Mas o artigo 8º da MP puxa o freio de mão nessa direção ao determinar a "chamada e processo seletivo públicos" para autorização de terminal privado fora do porto organizado.
"A chamada pública é, na nossa opinião, a negação do porto privado. Como vai se fazer chamada pública para uma área que é de propriedade privada?
Como o governo vai fazer licitação usando o meu terreno?", indaga o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Ramos Torres de Melo.
Na mesma linha vai o representante dos armadores.
"Isso era uma armadilha do Decreto 6.620, que desde 2008, quando foi publicado, interrompeu os investimentos nos portos", diz Claudio Loureiro, diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação (Centronave). "O núcleo do pacote é bom, o problema é que o arcabouço legal não está claro. Deixou dúvidas."
Somado a isso, o pacote dos portos dobra o número de atores institucionais no setor.
Além da SEP, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) - que ganhou mais espaço -, e do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit), o novo marco regulatório criou duas comissões: a de Assuntos de Praticagem e a das Autoridades nos Portos (Conaportos).
E trouxe a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), recentemente criada, para auxiliar a planejar o setor.
"Quanto mais interfaces você tiver, maior é o potencial de indefinições e de necessidade de ajustes", diz o consultor do Instituto para o Desenvolvimento de Logística, Transportes e Meio Ambiente (Idelt), Frederico Bussinger.
Ex-presidente da Companhia Docas de São Sebastião e ex-diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Bussinger identifica no pacote uma guinada na recentralização do poder decisório em Brasília, ao esvaziar as competências das companhias docas e tirar a função deliberativa dos Conselhos de Autoridade Portuária (CAP) - a principal arena de debate das instâncias locais.
Na visão dos trabalhadores, ao desobrigar os terminais privados de usar mão de obra do Ogmo, a MP enfraquece o trabalhador tradicional.
Nove sindicatos das várias categorias que atuam no porto de Santos estão em estado de greve.
Eles reúnem cerca de 6 mil trabalhadores, 90% dos quais atuando nos terminais do porto organizado de Santos, o maior do país.
Ontem os líderes sindicais se reuniram com o prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), para traçar uma estratégia de ação.
Com o CAP esvaziado pela MP, os trabalhadores recorreram à prefeitura para encampar as mudanças na MP.
No campo político, Barbosa disse que irá pessoalmente a Brasília nos próximos dias para acionar representantes da bancada tucana e sensibilizar demais siglas na comissão mista. "Quando o porto perde, perde a cidade. E vice-versa."