MP dos portos vai aumentar custos, dizem especialistas
O sistema portuário brasileiro navega na contramão da tendência internacional de concentrar uma quantidade elevada de movimentação de contêineres em um número restrito de operadores de terminais. No Brasil, o que predomina é justamente o contrário: um volume relativamente baixo de contêineres espalhado por muitos competidores.
Essa fragmentação deverá se acentuar com a medida provisória que altera as regras de funcionamento dos portos, dificultando ganhos de escala e ameaçando o objetivo da presidente Dilma Rousseff de derrubar os custos do setor, conforme avaliação de especialistas.
Levantamento feito por operadores de terminais e obtido pelo Valor indica que o porto de Santos, maior do Brasil, está na longínqua 42ª posição no ranking mundial de movimentação de contêineres.
Em 2011, foram transportados 2,985 milhões de TEUs (unidades equivalentes a 20 pés), um volume ainda ínfimo diante dos principais portos do planeta.
A movimentação é dividida atualmente entre quatro operadores: Santos Brasil, Libra, Tecondi e Rodrimar.
Com a abertura da BTP e da Embraport, nos próximos meses, o número de operadores no porto aumentará para seis.
Xangai, o primeiro da lista, movimentou 31,7 milhões de TEUs – quase 11 vezes mais do que Santos – e abriga apenas um operador de contêineres.
À exceção do porto de Los Angeles, que tem nove operadores, praticamente todos os portos incluídos na lista dos 30 maiores do mundo apostam na escala e se limitam a até quatro empresas.
É o caso de Cingapura (um operador), Hamburgo (dois), Roterdã (dois em funcionamento e um sendo construído) e Nova York (quatro).
“É preciso ter economia de escala para gerar o menor custo possível e, consequentemente, ter o menor preço para os usuários”, diz o presidente do conselho de administração da Multiterminais, Richard Klien, um dos empresários mais ativos no setor portuário.
Ele elogia o modelo de “oligopólio vigiado” que se adota na Espanha. Valência, o maior porto do país, movimenta mais que o dobro dos contêineres de Santos e tem só três operadores.
“Quando o terminal tem escala e aumenta sua produtividade, o usuário é quem tende a se apropriar do ganho”, diz o consultor José Augusto Valente, ex-secretário de política nacional de transportes do Ministério dos Transportes e diretor-executivo da agência T1.
Segundo ele, hoje um navio de grande porte atraca, descarrega e lota de novo seus porões em 12 horas.
Se o fluxo de cargas estiver fragmentado por muitos terminais, equipamentos como guindastes e empilhadeiras ficam com uso menos intensivo, elevando custos de operação.
“Quanto maior a escala, menor o preço. Quem paga a conta da baixa ou da alta produtividade é o exportador e o importador”, afirma Sérgio Fisher, vice-presidente de logística e terminais da Wilson Sons, uma das operadoras de contêineres em portos públicos brasileiros.
A preocupação vai muito além de Santos. Valente e Fisher acreditam que a MP 595, ao liberar novos portos privados sem a exigência de carga própria, dispersará o volume de cargas ao longo de toda a costa brasileira por um número ainda maior de terminais e dificultará a obtenção de ganhos de escala. “Houve um problema de diagnóstico da situação portuária e a presidente Dilma foi induzida ao erro”, diz o ex-secretário, que critica a medida provisória.
Para ele, há riscos de uma eventual aliança entre grandes empreiteiras e armadores (os donos dos navios) para a construção de novos portos privados, com a prática de “dumping” para roubar cargas dos terminais arrendados em portos públicos.
“O risco de enfraquecimento do porto público é muito grande”, acredita Valente.
O que pode ocorrer depois de um tempo, segundo o consultor, é uma quebradeira no setor e a alta de tarifas pelos terminais privativos.
Os arrendatários veem como desleal a concorrência dos portos privados, que precisam arcar com a aquisição de seus terrenos e todos os investimentos em suas instalações, mas não pagam nada à União e nem se submetem às amarras dos órgãos gestores de mão de obra.
Para igualar a competição, os operadores de terminais de contêineres em portos públicos buscam renovar antecipadamente seus contratos de arrendamento, que vencem somente depois de 2020. A proposta foi levada ontem pela Abratec, associação do setor, à Casa Civil.
A Santos Brasil já havia se comprometido a investir imediatamente R$ 700 milhões em troca da prorrogação antecipada, pelos 25 anos a que tem direito, do arrendamento do terminal de contêineres em Santos. O vencimento do contrato é em 2022.
A Wilson Sons, que opera terminais estratégicos em Salvador e em Rio Grande, encaminhou proposta semelhante.
De acordo com Fisher, a ideia é estender os dois berços de atracação em Salvador para 400 metros cada um, em troca da renovação antecipada.
Hoje eles têm 370 e 240 metros. O arrendamento do terminal expira em 2025 e sua renovação, por 25 anos, seria normalmente discutida de 24 a 36 meses antes. O executivo diz que não há como fazer o investimento necessário sem a garantia de tempo suficiente para amortizá-lo.
No porto gaúcho de Rio Grande, cujo arrendamento do terminal de contêineres vence em 2022, a Wilson Sons se propõe a estender os três berços de atracação dos navios dos atuais 900 para 1.200 metros.
Assim, seria possível receber megaembarcações inexistentes no momento de assinatura dos contratos, que foram licitados no fim dos anos 90.