Planejamento: feito para não funcionar
Diz a lenda que ao criar o mundo, Deus – que é brasileiro – espertamente distribuiu as riquezas pelo mundo assim: uma porção de diamantes para a África do Sul, outra igual para o Brasil; uma porção de petróleo para a Arábia, outra igual para o Brasil.
Com os desastres, fez diferente: maremotos, tufões, furacões, tsunamis, terremotos, nevascas... tudo para os outros.
Ante as reclamações dos primeiros humanos, para equilibrar a balança, Deus colocou os japoneses no Japão, os europeus na Europa... e os brasileiros no Brasil.
O fato é que o Brasil tem tudo para ser um dos países mais prósperos do mundo,
Mas funciona tal qual uma Ferrari acelerada e com o freio de mão puxado: muitíssimo calor, para pouco resultado prático.
Ainda se o Brasil fosse uma lâmpada incandescente, serviria ao menos para iluminar, embora até estas estejam quase aposentadas, com o advento de lâmpadas com eficiência energética muito superior.
Agora mesmo, constrói estádios e aeroportos, pensando na Copa do Mundo, e "esquece" que as pessoas precisarão chegar até eles.
Não é por falta de estradas: temos inúmeros exemplos de rodovias e ferrovias, até mesmo pontes e viadutos, ligando o nada a lugar nenhum.
Não é por falta de planos, pois são muitas as empresas de consultoria cobrando fábulas para fazê-los, e recebendo, mesmo quando projetam ferrovias passando por dentro de igrejas.
Não é por falta de dinheiro, pois esses planos são pagos, as obras até são iniciadas, e o governo ainda paga pelas correções dos erros cometidos pelos incompetentes e/ou desleixados.
O problema está no macroplanejamento.
Definir exatamente o que se quer atingir e quais os passos para isso, e orquestrar para que não se troque os pés, coloque o carro adiante dos bois etc.
Sem esse choque de gestão, o país desperdiça recursos em obras que não serão inauguradas, ou pior, não serão usadas depois das fotos da inauguração.
E esses recursos seriam melhor empregados na complementação dos programas, como fazem países menos esbanjadores.
Por exemplo, talvez – eu disse "talvez" – sejam necessários médicos estrangeiros, pois de fato os ilustres doutores não querem sair das capitais.
Mas estes também têm suas razões: mesmo nas principais cidades falta infraestrutura (remédios, equipamentos, enfermeiras, ambulâncias...).
Já se dizia, no tempo de Tancredo Neves, que o melhor hospital de Brasília era o aeroporto...
Criamos atalhos problemáticos para não trombar com os problemas atuais (como as cotas raciais, para mascarar/compensar a desigualdade socioeconômica que se reflete na baixa escolaridade), fingimos não ver que o sistema escolar está falido e está aprovando alunos que não sabem escrever, não entendem o que leem, não refletem e nem desconfiam do que seja uma falácia.
Fingimos que estamos investindo fábulas em PACs de todo tipo, quando a maior parte das obras não sai do papel por falta do projeto básico.
Ou atrasam. Ou acabam em PACadas...
Aliás, os orçamentos anuais são uma peça de ficção, bem como os recursos destinados aos projetos pessoais dos nobres políticos, que aparecem no papel mas nem chegam ao destino, por mais que se queira, porque a ordem das coisas é invertida: primeiro se obtém o financiamento, depois é que se vai pensar no que fazer com os recursos, e então a ordem é usar de qualquer jeito, para não ter de devolvê-los.
Daí, ideias como aquela de um aeroporto em cada esquina...
Como tudo isso é campo fértil para a corrupção, criamos mecanismos de controle, que afinal pouco podem fiscalizar, pois tudo é muito lento (Justiça, especialmente), e quando se consegue condenar alguém, o nababo já morreu de velhice.
O crime, infelizmente, compensa, como o sabem também as grandes empresas: mais vale agir na ilegalidade e aceitar as eventuais condenações pois elas serão sempre muito inferiores ao prejuízo causado à sociedade.
Ainda assim, um país feito para não funcionar vai funcionando, até consegue crescer.
Mas, como a Ferrari com freio puxado: gerando uma enorme fricção, um barulho e um calor que poderiam ser evitados.
Contrariando em parte a lenda que contei no início, e mostrando assim o seu valor a despeito de tantos percalços, o "povinho" colocado nesta terra vai fazendo o que pode e com o que tem, trabalhando em dobro para compensar esses desperdícios, com seu pouco saber acadêmico e a despeito de todos os problemas que podiam ser evitados com um mínimo de boa vontade. Mas tudo podia ser muito, muito melhor!
Nem falei de "reburocratização" e seus custos: fica para outra coluna...