Porto de Itajaí perde de pelo menos 10 mil contêineres mensais em movimentação
Autoridades portuárias e políticas de Itajaí não se entendem mais depois que aquilo que começou como um boato pelas bandas do cais acabou se confirmando: a crise vivida pelo porto de Itajaí e a ameaça de perda de pelo menos 10 mil contêineres mensais em movimentação pro terminal da Portonave, em Navegantes.
A notícia veio à tona depois que a própria assessoria de imprensa do porto peixeiro admitiu, no cantinho de um release encaminhado à imprensa, que a queda de movimentação foi de 9% nos cinco primeiros meses do ano, se comparada ao mesmo período do ano passado.
O caso é tão grave que rola hoje uma reunião que promete ser quente: o encontro do Conselho de Administração Portuária, o CAP, a partir das 9h da manhã, no prédio da antiga inspetoria da Receita Federal, na avenida República Argentina. Ninguém confirma oficialmente, mas a crise será o principal tema.
A partir da confirmação do cenário, vazou a informação de que a linha de importação de produtos da Ásia, até agora movimentada pela APM Terminals (arrendatária que toca o porto peixeiro), já tá em negociação com outros terminais, entre eles a Portonave.
A linha asiática é que responde por 40% de toda a movimentação do porto itajaiense, e perdê-la cairia como uma bomba para a gestão do chefão Antônio Ayres dos Santos, atual chefão do porto itajaiense.
Os melhores custos de atracação levariam armadores a atravessar o rio e optar pelo terminal dengo-dengo. Foi a partir dessa informação que a boataria tomou forma e consistência, levantando críticas e pauleiras aqui e acolá. Um dos mais críticos em relação ao problema é Marcelo Petrelli, presidente do sindicato dos Despachantes Aduaneiros, entidade que congrega 380 despachantes no Estado, 250 deles só aqui na terrinha.
Marcelo assegurou ao DIARINHO que a previsão da chegada da crise não é nova – a coisa já estaria rolando desde o ano passado, e pouca reação teve. “A questão são os custos operacionais. Há tarifas praticadas pelo porto de Itajaí que são 30 a 50% mais caras que Navegantes”, contabiliza o despachante. “E mais: se levarmos em conta o novo porto de Itapoá, o terminal de Itajaí tem preços 78% mais caros,” acrescenta.
Além das taxas, o porto navegantino operaria com mais rapidez na parte burocrática, teria menos pendências trabalhistas, por ser terminal privado, e quando precisa, pode baixar taxas sem ter que ficar ouvindo uma penca de autoridades.
Duas carcadas por ano
Marcelo diz que o problema se acirrou quando a APM Terminals resolveu reajustar suas tarifas duas vezes por ano. O despachante e sindicalista diz que na época do contrato de arrendamento do porto com o finado Teconvi (que antecedeu a APM), foi estabelecido que o aumento tarifário só rolava uma vez por ano, e teria que passar pela provação dos figurões do CAP.
“Mas em 2012, o CAP passou a ser consultivo, e não mais deliberativo. Aí o conselho não mandou mais nada, e não há mais um padrão tarifário entre os dois portos. Era claro que com preços mais acessíveis, Navegantes chamaria mais atenção”, critica Petrelli.
Paralelamente a essa pepineira, sindicatos como o da Estiva e dos Conferentes também estariam revoltados, segundo conta Marcelo. “A APM argumentou que traria mais linhas, e por isso, achatou salários. Os salários baixaram, as linhas estão despencando, podemos perder a Ásia, e ainda aumentaram as tarifas. Só poderia dar no que deu”, acusa.
Os despachantes confirmaram ao DIARINHO que já são 10 mil processos de importação a menos de janeiro a maio deste ano, em relação a 2014. “Não sei se isso dá um total de 10 ou 12 mil contêineres movimentados, mas é muita coisa”, acentua o presidente.
OGMO joga a bomba no colo da União
Diferente do que pensa o chefão dos despachantes, o professor universitário Luciano Rodriguez, diretor executivo do Órgão Gestor de Mão-de-obra (OGMO), tem outra visão. Luciano discorda de Marcelo e acha que o problema não são somente as taxas ou o achatamento dos salários de trabalhadores. “Estas situações são consequência de um problema maior, institucional”, diz.
“O que temos são dois tipos de concessões, uma pública e uma privada; um terminal paga, e outro não. Aí está a questão: quem não paga oferece preços menores”, afirma o figurão da OGMO. Para ele, a situação reside na forma como o Governo Federal tem seu marco regulatório, que resulta em toda uma diferença de estrutura e custos.
“O que a APM faz é tentar equalizar custos; já Navegantes não tem controle de preços, enquanto Itajaí tem”. Sobre a versão interna que o DIARINHO apurou junto à APM, de que a queda tá rolando por conta das oscilações do dólar, Luciano considera que o dinheiro americano é “apenas um dos fatores, não o problema em si”.
O OGMO é o setor que contrata a mão-de-obra pro terminal itajaiense, já que o porto é público. Em Navega a contratação é direta porque o terminal é privado.
Arrumadores do Itajaí já sentem a crise
A pepineira também levanta comentários do lado dos Arrumadores, peãozada que atua em terra firme. João Alves Júnior, secretário do sindicato, considerou a situação deste primeiro semestre “preocupante” em Itajaí.
Segundo ele, nos últimos 10 anos, os arrumadores vêm baixando seus preços, mas sofrendo o panorama do aumento das taxas. “Nós não temos conhecimento grande do mundo portuário, mas sabemos que há vantagens em Navegantes”, diz. “O preço final do lado de cá é outro. A Maersk, por exemplo, paga a Autoridade Portuária, o que não acontece com a Portonave, por ser privada”, diz.
João ainda cita que os peões já sentem a crise no dia-a-dia. “A movimentação está caindo. Foi lançado o edital para contratação de motoristas de caminhão, por exemplo, e acabou cancelado. Isso é mau sinal”.
Vereadores chegam junto e porto já pede ajuda pro Estado
Se os vereadores do Itajaí tão mesmo preocupados ou só querem aparecer em véspera de ano eleitoral, ninguém sabe, mas a notícia da crise portuária também chegou na câmara de vereadores.
Em plenário, Anna Carolina (PRB) carcou o pau valendo no chefão do Porto, Ayres dos Santos. Na tribuna, a vereadora disse que a coisa toda tá rolando “porque a atual administração é incompetente” e confirmou que tá mesmo em jogo a movimentação de 10 mil contêineres por mês.
“São 40 ou 50% da movimentação indo para Navegantes. Aí eu digo isso e me chamam de sensacionalista,” carcou a parlamentar. “Eu lembro que quando pedimos uma audiência pública do porto aqui na câmara, transformaram em uma reunião, coisa pequena”, completou.
Também na tribuna, Anna Carolina lembrou que sempre criticou o inchaço da folha de pagamento do porto, sua burocracia, um processo judicial que rolou por conta da criação de cargos e também as contratações efetuadas por decreto. “Eu critico o que virou o nosso porto, mas não posso falar tudo que sei”, fez mistério. Além da republicana, os vereadores Osvaldo Mafra (SD), Thiago Morastoni (PT) e Clayton Batschauer (PP) também deram uma corridinha na superintendência do porto pra tentar ver o que é que tá pegando. Segundo Thiago, o temor é que mil empregos diretos podem ir pro pau com o cancelamento da linha dos xing-lings lá da Ásia.
Da reunião com Ayres, os parlamentares saíram com a promessa de que o porto do Itajaí já tá tratando da crise, e já repassou a pepineira ao governador Raimundo Colombo, do PSD (aquele cujos assessores trocaram a foto de Itajaí por Blumenau na mensagem de aniversário de 155 aninhos da cidade).
Ayres escapa para não falar do assunto
O DIARINHO tentou de todo jeito conversar com Antônio Ayres sobre a crise que envolve o terminal papa-siri desde quarta-feira. O superintendente, entretanto, atendeu inicialmente a reportagem na quarta-feira à noite, dizendo que tava na hora da janta, e não poderia falar com o repórter. Ele pediu pro repórter ligar no dia seguinte. Ontem, a reportagem tentou o dia todo uma posição do figurão, sem sucesso.
Um questionário foi enviado à assessoria de imprensa do porto papa-siri, mas não foi respondido. As mesmas perguntas foram feitas para a Portonave, que respondeu no mesmo dia, alegando que também o terminal dengo-dengotá sofrendo com a queda de movimentação, até maior do que a média entre Itajaí e Navegantes, chegando a uma diminuição de 11% nos cinco primeiros meses de 2015 em relação ao ano passado.
A assessoria de imprensa do porto navegantino jurou de pé juntinho que não rolou transferência de linhas da APM pra Portonave no último mês. “A crise econômica afeta toda a cadeia logística e, além disso, o mercado tem se mostrado cada vez mais competitivo”, alegaram.
Carteira assinada
Sobre as críticas de Marcelo Petrelli, que afirma que Itajaí sofre mais com a pepineira trabalhista, a Portonave saiu pela tangente, garantindo que possui mais de 1000 peões, “todos com carteira assinada”, frisou, “e submete-se a todas as leis trabalhistas e atende a acordos sindicais coletivos”.
Sobre as taxas praticadas, o pessoal de Navega disse que de fato têm “liberdade de negociar com seus clientes”, mas alegou que a APM de Itajaí também negocia, assim como Paranaguá e Itapoá. E o mercado regula preços. Dizem os figurões da Portonave que até hoje, a relação com o porto de Itajaí foi sempre de parceria e respeito.
Já uma fonte da APM Terminals, ligada ao poderoso grupo Maersk, e que não autorizou a publicação do seu nome, tentou minimizar a crise ao DIARINHO, alegando que esse tipo de papo rola sempre no meio do ano, quando acontecem as negociações com as empresas de navegação, e surgem interesses vários.
“O complexo portuário como um todo, Itajaí e Navegantes, registrou a queda de 9%, mas é por conta do dólar alto”, disse a fonte. “E isso foi confirmado pela autoridade portuária, é oficial”. Segundo a fonte, APM e porto peixeirotão trampando pra correr atrás do tempo perdido e não ampliar a queda no próximo semestre. “Queremos voltar ao patamar de 2014”, assegurou.
Mesmo diante da ameaça dos asiáticos irem negociar com Navegantes, o figurão se gaba que o complexo do Itajaí registrou em maio sua segunda melhor movimentação do ano. A APM Terminals de Itajaí respondeu pela fatia de 33%, enquanto a Portonave movimentou 66%. Mas segundo apurou o DIARINHO, enquanto um mesmo contêiner pagar R$ 300 pra atracar em Itajaí, o preço praticado por Navegantes é de R$ 230.