Notícias


Engenheiro explica porque a competição entre Itajaí e Navega é desigual

Crise econômica, má administração ou concorrência desigual entre os portos de Itajaí e Navegantes? O Complexo Portuário está na pauta dos assuntos da região desde que a APM Terminals, operadora do porto de Itajaí, perdeu uma linha de armadores asiáticos, responsáveis por 60% do movimento do cais, para a Portonave, o porto privado estabelecido em Navegantes. A desigualdade de obrigações entre a operadora APM, que atua através de uma concessão pública em Itajaí, e a operadora privada, Portonave, desobrigada de pagamento de taxas ou do cumprimento de regras no gerenciamento da mão de obra, seriam as grandes responsáveis pela crise que atravessa o porto itajaiense. O engenheiro do porto de Itajaí, Marcelo Werner Salles, assumiu as negociações técnicas da crise, enquanto o superintendente do Porto, Antônio Ayres, atua para resolver as demandas políticas lá em Brasília. À jornalista Franciele Marcon, Marcelo explicou os motivos da crise e os caminhos que podem salvar o porto itajaiense da bancarrota.

“A Portonave não paga nada para a autoridade portuária”

“Esse é o nosso ganha pão, nossa atividade econômica. A gente precisa se unir para efetivamente criar condições operacionais. Isso é mercado.” 

“Em 2010 nós tínhamos 37 linhas de contêineres frequentando a costa brasileira. Hoje nós temos 21”

“Eu não era contra o terminal de Navegantes. Eu queria que ele tivesse condições técnicas de competitividade iguais com Itajaí” 


Raio X
NOME: Marcelo Werner Salles
NATURALIDADE: Laguna
IDADE: 55 anos
FILHOS: dois 
FORMAÇÃO: engenharia Civil formado em 1984 pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: já foi coordenador Geral da Portobras na Fiscalização das Obras em Santa Catarina; Inspetor Fiscal dos Portos de Imbituba e São Francisco do Sul; administrador do Porto de Laguna; diretor Geral do Porto de São Francisco do Sul; administrador e diretor Executivo do Porto de Itajaí por 12 anos; diretor do Terminals Píer de Mauá/RJ e diretor de Acessos Aquaviários da Secretaria de Portos da Presidência da República – SEP/PR. Atualmente é engenheiro do porto de Itajaí.

DIARINHO – Para esclarecer à população: quem está em crise é o complexo portuário ou a empresa privada que arrendou parte do porto público de Itajaí?
Marcelo: A gente precisa fazer uma análise um pouco mais profunda do que isso. O mundo como um todo está passando por uma grande reformulação em relação a um planejamento estratégico dos armadores. Lá por 2006, a maioria dos armadores começou a projetar novos navios em função de novas demandas de mercados. A China e a Índia entraram muito fortes com uma parte de produção de cargas. E centros consumidores da Europa e dos Estados Unidos entraram como compradores desse grande volume de mercadorias. Essa distância fez com que os custos de combustível, de aproveitamento do transporte com essa grande quantidade de carga, migrasse para um projeto das mega embarcações. Isso tudo dentro de um planejamento macro de que a atividade econômica mundial permanecesse em uma ascendência. Todo esse planejamento, desse grande volume de carga, estava diretamente proporcional a isso. A primeiro a fazê-lo foi a Maersk, que projetou um navio para 18 mil TUs. Essas embarcações têm quase a mesma quantidade de tripulantes, mas o gasto com combustível é 30% mais barato. Havia todo esse grande fluxo de mercadoria e o grande eixo está no Hemisfério Norte. Nós somos atendidos por parte dessas linhas que frequentam a costa indo até Buenos Aires e retornando para a Europa. Isso é uma característica de carga que precisa ser analisada. Dentro do planejamento, o que observamos é que essas grandes embarcações atenderiam esse grande fluxo, Leste-Oeste, no Hemisfério Norte. Com o decréscimo da atividade econômica, essas embarcações começaram a ficar prontas e começaram a ter necessidade de ser realocadas em outras escalas, em outras linhas que elas não estavam inicialmente programadas. Isso mudou muito a atividade econômica. A ponta de falarmos o seguinte: em 2010 nós tínhamos 37 linhas de contêineres frequentando a costa brasileira. Hoje nós temos 21. [Por que essa diminuição?] Essas embarcações tinham uma capacidade de transporte muito maior, três ou quatro vezes a das outras, e elas tiveram certa ociosidade de espaço, elevando o custo operacional. Eles acabam optando em fazer joints. O que nós tínhamos antes uma linha Maersk, uma linha SGM, MSC, Hamburg Süd. Hoje todas essas unidades estão explorando essas mesmas atividades. Otimizando os seus espaços. O mercado, por si só, já ficou mais concorrente. Uma embarcação como essa impõe exigência de mercado para os portos e obriga efetivamente toda uma mudança. Seja nas dimensões, nas profundidades dos seus canais, nas estruturas de berços porque geram esforços muito maiores naquela capacidade e de equipamentos, porque, além da altura, tem que ter maior alcance. Os navios não só cresceram, eles também ficaram mais largos, e a parte de retroárea tem que ser maior, porque tudo é sequencial. O Conselho de Autoridade Portuária (CAP) chegou a emitir um documento para encaminhar à SEP [Secretaria de Portos] das expectativas e pedindo que eles atendessem as nossas demandas. Foi uma análise que eu fiz: estamos fazendo um trabalho para nos adequar a receber os navios de 366 [metros], que vão frequentar a costa brasileira. Um navio de 366 está na ordem de 14 a 15 mil TUs. Historicamente operamos em torno de 30, a 40% da capacidade de carga de cada um desses navios. Estamos falando de cinco mil contêineres por embarque. O que estamos fomentando junto ao CAP: hoje o porto de Itajaí tem uma capacidade estática de receber 13 mil contêineres, com um navio já teria cinco mil, com uma segunda atracação, quando os berços 3 e 4 ficarem prontos, eu já teria a ocupação física total da capacidade do porto. A gente sabe que tem que ter capacidade de receber uma quantidade de carga para prontificar junto a todos os outros órgãos intervenientes. E as próprias cargas têm que ser retiradas para os recintos alfandegados, os processos de liberação junto a Receita e todos os procedimentos. Há uma necessidade física, não só de ampliarmos os nossos berços, mas também de espaço físico. Daí, agrega equipamento. Vamos ter que continuar operando no mesmo tempo. O navio fica entre duas preamares, que dá no máximo 12 horas. Ele entra em uma e sai em outra. Um navio é muito caro para ficar mais tempo atracado e aguardar, por exemplo, 24 horas. Só que agora teremos que operar cinco mil contêineres. Toda a legislação e todos os projetos que são calculados em função do nível de movimento que cada equipamento desse consegue operar dizem que nós temos que ter no mínimo quatro portêineres por navio. [Hoje são quantos?] Dois. Todos esses elementos são levados em consideração na hora de uma análise macro. Nós temos uma vantagem, pelo trabalho feito durante esses anos, que é ter uma grande quantidade de carga frigorificada que tem alto valor agregado. Todos os armadores contêineiros tem muito interesse nesta carga. Continuarão a frequentar o nosso complexo portuário. Temos que fazer o nosso dever de casa: nós temos que ampliar a nossa área física. Temos que colocar equipamentos para que se possa ter a parte de custos viabilizada em relação a isso. Senão você começa a ficar improdutivo, você começa a ter custos operacionais. Hoje a gente fez um comparativo bem interessante, comparando todas as áreas de pátio de todos os terminais de contêiner do Brasil. Verificou-se que hoje, Itajaí, com a APM, que é o nosso operador, tem uma taxa de 6,2 contêiner por metro quadrado. Enquanto a média brasileira não atinge dois. Ora, se eu tenho que fazer seis movimentos na mesma área de metro quadrado, eu sou mais caro. Eu sou mais improdutivo. Eu tenho mais custos operacionais. [Como se resolve isso?] Agregando novos espaços. Todas as ações, e partem para as ações políticas, têm que sensibilizar a Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] e a SEP [secretaria de Portos]. Aquele pedido que nós fizemos, há mais de quatro anos, onde o nosso operador diz: ‘eu quero investir de imediato R$ 165 milhões na compra de dois porteineres e anexar nova área’. Essas decisões estão há quatro anos para serem tomadas a nível de Brasília. Este fato é extremamente importante. Tem que ter ação política, não política partidária, política de desenvolvimento. Esse é o nosso ganha pão, nossa atividade econômica. A gente precisa se unir para efetivamente criar condições operacionais. Isso é mercado. Mercado é assim, ele não perdoa. Você tem que estar um passo a frente do mercado para que você consiga se manter. [Há anos se fala das grandes embarcações. Por que demorou tanto para se investir na bacia de evolução, para se pensar na retroárea?] Eu não estava aqui, mas pelo que eu observei: houve um galgar de informações. Como te disse, esses novos navios, os próprios agentes marítimos, representantes dos armadores, não tinham isso muito claro, que tamanho de navio ia frequentar a costa brasileira. Desde que a nossa bacia de evolução chegou a um determinado tamanho, se começou a fazer estudos. Foram feitas quatro projeções e uma delas em frente ao píer turístico. Verificou-se que naquela situação teríamos problemas de indenizações, de conflito com outras intervenientes e optou-se por outra área, onde pode-se chegar a navios de até 400 metros. [O senhor apresentou uma série de problemas: a bacia de evolução, falta de capacidade de armazenagem, aquisição de novos equipamentos. O que está sendo feito para superar as dificuldades?] Há umas semanas atrás, a presidenta lançou um pacote sobre os portos. Se você entrar lá vai ver que uma das ações que consta é justamente essa autorização para a APM. [Essa autorização que ela esperava há quatro anos veioagora?] Quer dizer: ainda não veio. Ela anunciou. Estamos na expectativa. Quanto antes chegue, melhor, porque a APM pode, imediatamente, trazer os portneires e adensar essa área que precisa. [Esse adensamento é essa área da frente ao porto, a avenida coronel Eugênio Muller, que mudará todo o trânsito dessa área?] Isso. Toda a rua Silva segue e o trânsito não tem mais a conturbação com a área portuária, dá uma fluidez melhor para o trânsito da cidade. [Qual o tempo para essa mudança acontecer, se realmente o governo federal autorizar a renovação da concessão da APM?] Eu acredito que, como das outras vezes que a gente fez o projeto de ampliação do porto, como a cidade entende da importância socioeconômica do porto, é um processo que demanda tempo pelas indenizações, desapropriações, nos mesmos moldes que aconteceram nas áreas B e C. O mais importante é o aporte financeiro. Neste momento, nós ainda temos esse parceiro, que é um parceiro global, dizendo o seguinte: ‘eu ainda quero investir em Itajaí’. Isso é fundamental. Se não tivemos de onde tirar os recursos financeiros, daí seria mais preocupante. Agora é mais um decisão política de dizer: está autorizado. [Qual a capacidade que a APM terá com o avanço do porto para mais essa parte da cidade?] Hoje temos capacidade para 13 mil posições fixas e iriamos para mais do que o dobro. [A via expressa portuária também tinha recursos federais liberados e mesmo assim a obra está parada até hoje. Não há um risco disso acontecer também no centro da cidade?] Tem uma distinção entre a via expressa portuária e essas áreas aqui. Esse aporte é direito do arrendatário, não tem burocracia. Cabe a ele essa parte de desapropriação e implantação dos pátios, como foi feito da outra vez. Também é de interesse dele, por conta da atividade econômica, fazer o mais rápido possível. Enquanto a via expressa portuária, apesar do projeto ter sido feito dentro de um planejamento de reurbanização, de reordenamento urbano da cidade, por isso fez aquele traçado, você teve primeiro o conflito em relação à própria cidade, teve diversos outros interesses políticos que atrapalharam o caminho, conforme a corrente, embargavam, travavam... O contexto acaba pagando o pato. Eu acho que a gente precisa e é fundamental: um amadurecimento das nossas consciências em saber o que efetivamente a gente quer. Claro que eu defendo a área portuária. Estou há muitos anos trabalhando com ela; 75% da receita da prefeitura advém dessa atividade. Na hora que falamos na manutenção da nossa atividade e no crescimento dela, nós estamos falando também na sustentabilidade dos recursos públicos que, através do ICMS e ISS, retornam para os cofres da prefeitura e que acabam gerando todos os outros benefícios sociais que a cidade precisa.

DIARINHO – Com a saída das linhas de operadoras da APM para a Portonave, quem perderá? O complexo portuário, que administra a atividade, perde também?
Marcelo: A delegação que recebemos da união, ela tem dois objetos: o primeiro objeto é a exploração comercial do porto público, o que nós fazemos hoje através da APM, que é um parceiro privado. A outra faculdade é da autoridade portuária. Aquela que faz a parte da administração e jurisdição da área do porto organizado. O “síndico do condomínio”, para as pessoas entenderem o que está acontecendo. Os molhes, a dragagem, o canal de acesso são públicos e precisam de uma gestão. Quem controla a entrada de navios, quem dá condições operacionais para todos os órgãos intervenientes trabalharem harmonicamente em relação a essa situação. Toda a parte de infraestrutura e sinalização. O licenciamento ambiental. Todo esse conjunto é feito e ordenado pela autoridade portuária, com custos. A autoridade portuária detém essa condição para que dentro da figura pública nós possamos dar a condição de concorrência isonômica. Ou seja, nesta área a legislação diz que a autoridade portuária tem a obrigação legal de cumprir e fazer cumprir as legislações pertinentes dando a todos os usuários condição de exploração e utilização isonômica. Por isso tem tarifas públicas que são cobradas de quem utiliza. [Tanto Portonave como APM pagam taxas de operações para a autoridade portuária?] Não. Toda essa figura que estamos falando foi montada durante o período da Lei 8630, de 1993, que criou essa faculdade de termos arrendatários e operadores portuários. Essa mesma lei tinha uma faculdade de dar oportunidade de criação dos TUPs: terminais de uso privativo. O objetivo inicial dessa lei era conceder portos para quem tivesse carga própria. O governo entendeu que deveríamos criar terminais de uso privativo para volumes grandes de cargas de empresas utilizarem. O terminal Cargill, o terminal da Bunge. Em um determinado momento houve a abertura por parte do governo, que é o outorgante, para que houvesse outros terminais que utilizassem, desde que comprovassem a carga própria. O terminal de Navegantes foi constituído dessa forma. Quem deu a outorga, da mesma forma que deu ao município, foi o governo, que perante a Constituição Federal é quem detém a condição de exploração dos portos. Só que neste momento ele criou duas estruturas diferentes. Uma que é aquela que tem de remunerar, pagar pelo uso, pelas instalações. A outra efetivamente não precisa pagar pelo uso. Isso desde o começo gerou uma situação que nós entendemos não ser isonômica. [Resumindo: quem tem que pagar pelos custos de manter o rio navegável é a APM. A Portonave não pagar por isso...] Isso. Hoje, o que acontece, aquela condição de carga própria ficou esclarecida com a nova Lei 12.815. Até então havia dúvidas se os terminais poderiam operar carga pública e não aquela carga de seu pertence. A Lei 12.815 veio e regularizou. Ela disse: “tá válido”. Mas ela também criou outros elementos interessantes. Não poderá ser construído nenhum terminal de uso privativo em área de porto organizado. [Mas no nosso caso a Portonave já exista quando surgiu a lei...] Exato. Aí abriu uma exceção para quem já existia. Porém, teoricamente, o próprio legislador entendeu que um terminal nessa condição, não tendo as mesmas regras que o outro, geraria uma condição de desequilíbrio. Não sou eu que estou dizendo isso, é a lei. O que a gente vez tratando com a Antaq: ‘hoje a situação apresentada pelo que está na lei é assim, a autoridade portuária vive de recursos provenientes da exploração do porto público. Se o porto público não tiver recursos, a autoridade portuária não terá condições de exercer a sua atividade, que é uma atividade comum a todos. Como fica essa situação da autoridade portuária, já que você, outorgante, deu duas outorgas distintas?!’. Isso o doutor Antônio Ayres está em Brasília conversando com a diretoria da Antaq. Ele está dizendo: ‘olha, nós não temos o poder sobre o negócio, porque os outorgantes são vocês, mas isso precisa de uma solução”. [Tem algum outro porto que vive essa situação no Brasil hoje?] Não. O único terminal de uso privativo que está dentro da área do porto organizado, no Brasil, é Portonave.

DIARINHO – Muitos especialistas falam que o problema vivido em Itajaí teve início com o Marco Regulatório dos Portos, programa do governo federal. Esse programa afeta a APM e a Portonove de forma desigual?
Marcelo: A APM, a partir daí, deu continuidade àquilo que já estava previsto em lei. Todas essas obrigações que ela tinha que fazer estavam previstas. E a Portonave, a outorga dela já a liberava desses custos. Com o marco, efetivamente, legalizou aqueles questionamentos, até mesmo pela Associação Brasileira de Terminais Portuários, que questionava essa modalidade onde uns tinham obrigações e outros não tinham. [O que a Portonave paga hoje para a autoridade portuária para usar o canal de acesso ao porto?] Nada. A Portonave não paga nada para a autoridade portuária. Quem paga a utilização do canal e a bacia de evolução é o armador. O armador que vem para cá [atracana na APM] e o que vai para lá [Portonave] ou que vai para a Terporti, paga. A Portonave não paga nada pela exploração da atividade portuária. [Ela tem alguma obrigação com a manutenção do canal de acesso?] Não. Tanto é que nós cobramos do armador. Quem utiliza o canal é o armador. [E a APM paga o que?] A APM paga atracação, utilização do pátio, o metro quadrado, paga um estimativo de movimentação dessa carga pública para a autoridade portuária.

DIARINHO – Um fator que estaria encarecendo a operação, no lado da APM, em Itajaí, seria o fato do Ogmo regular a quantidade de trabalhadores a cada operação. Por exemplo, em um terno de Itajaí a Ogmo determina 23 trabalhadores, enquanto o mesmo terno é feito na Portonave por apenas sete funcionários. Isso encarece o serviço. Como resolver essa situação?
Marcelo: O Ogmo foi criado para substituir o sindicato que antes era patronal. Antes, o agente marítimo, representante do armador, ia ao sindicato e requisitava mão de obra. Isso gerava problemas. Não estou dizendo só em Itajaí, estou dizendo nacionalmente. Em um determinado momento o governo entendeu que deveria criar um órgão, o órgão gestor de mão de obra, que seria independente. Ele é provido e mantido pela própria atividade e esse órgão teria várias obrigações: buscar a mão de obra, essa mão de obra teria que ter treinamento que o Ogmo deve dar, tem a parte de saúde, a laboral, controle de impostos. A própria lei, nesta área do porto organizado, que eu disse que a autoridade portuária tem a obrigação da administração e jurisdição, impõe essa ação de criar o Ogmo. Ali estão os estivadores, os bloqueiros, os conferentes, os arrumadores, os consertadores, e o navio, quando chega, não mais através do agente marítimo, mas através do operador portuário, que ficou responsável pela movimentação de carga, ele vai ao Ogmo e contrata a mão de obra para operar. Não há um vínculo permanente. Essa pessoa vem, trabalha um dia e pode voltar a trabalhar daqui a três dias. O valor de remuneração é diferenciado. O caso da Portonave? A Portonave preferiu ter um quadro fixo de funcionários, em que tendo ou não carga, ela vai pagar a mão de obra. A parte mais difícil deve ser mensurar um quadro em função da sazonalidade das demandas de cargas. Esse modelo de você ir lá e buscar a mão de obra necessária para a operação, eu defendo porque eu acho muito racional. Dependendo da época, você pode ter uma necessidade maior de carga ou do tipo de carga. O que precisamos fazer é dar continuidade a evolução das tratativas negociáveis com a mão de obra. Ela já veio efetivamente ajustando seus valores e de pessoal. Precisa evoluir em Itajaí e no Brasil inteiro. Precisa avançar sobre isso, criar metodologias melhores, criar alternativas, mas pelo que sei a APM está querendo dar um nível de instrução um pouco melhor, ter alguns planos de incentivos e está querendo também ter essa possibilidade de contratar por período. O que quero dizer é que o nosso terno gira de 16 a 22. Gira conforme o dia, conforme a hora, gira nesse quantitativo. [A Portonave gira em sete mesmo?] Eu não sei. [O senhor diz que não vale muito a pena ter um quadro fixo de funcionários, mas se a APM quer mudar, é porque deve valer a pena...] Há uma necessidade negocial. Os primeiros acordos coletivos de trabalho, eu participei como moderador, como autoridade portuária, e vi avanços. Mas essas coisas são assim: o mercado vai exigindo, a condição de automatização vai melhorando e com certeza cada vez mais você precisa aprimorar. [Essa mudança na forma de contratação tem que ter aprovação do governo?] A lei te faculta ir ao Ogmo ou criar uma cooperativa de mão de obra.

DIARINHO – Existe uma forma de a autoridade portuária operar se faltarem recursos para bancar os custos?
Marcelo: Como vamos operar sem recursos? Isso é a grande incógnita. Há uma obrigação legal de você exercer uma atividade que é pública, mas sem recursos, o porto tem que fechar. Aí fecha tudo. Não fecha só a TUP, fecha o porto, fecha tudo. A própria Portonave não tem condições de operar. Porque nós exercemos uma atividade de controle de atividade. A maioria nos dá os pré-requisitos de segurança de navegação, mas quem autoriza o navio entrar, quem sai, quem negocia com a praticagem, quem faz toda a articulação, somos nós. Quem vai exercer essa atividade, que está prevista em lei, que é pública? Vai ter que ser feito um adendo à lei dando autorização para a iniciativa privada. Pode ocorrer. Só que até sair a lei, como funciona?

DIARINHO – Já há um cálculo da perda de arrecadação para Itajaí com a saída da linha de navios da Ásia, ou pelo menos uma expectativa sobre como ficará o recolhimento de ISS?
Marcelo: Não. Isso não foi feito ainda. Mas nós sabemos do impacto da perda de movimentação, que é de 60%. Nós sabemos que o remanescente, os 40%, não serão suficientes para que a APM se mantenha na atividade, mantenha o nível de emprego, mantenha os recolhimentos para autoridade portuária, que é diretamente proporcional a movimentação de carga. Faltarão recursos para a autoridade portuária se manter e exercer todos os serviços que ela tem que exercer. A perda de ICMS e ISS nós sentiremos nos anos subsequentes. A movimentação de contêiner da APM de 22 mil contêineres caiu para oito mil.

DIARINHO – A Portonave disse que sua queda de movimentação foi de 11%, ou seja, dois pontos percentuais a mais que a média geral do complexo. Não seria isso um indicativo de que a crise é geral?
Marcelo: Não. É um rearrumar de linhas, de 37 para 21. Nós temos hoje novos players no mercado. Temos Itapoá que está entrando forte, temos a Santos Brasil, ou seja, antes tinha uma quantidade maior de oferta, mas com a diminuição de oferta isso está ficando mais acentuado. [Itapoá está mesmo levando a movimentação da nossa região? Há como reverter essa perda?] Nós temos uma vantagem muito interessante que é a BR-470 desembocar bem em frente. Há uma tendência natural dessa carga vir para cá. Outra coisa interessante que Itajaí tem é a capacidade de armazenagem de frio em sua retroárea. Nós temos a maior capacidade de frios do Brasil. Como basicamente a carga que domina, que força o armador vir ao complexo, é a carga frigorificada, claro que não podemos perder, mas o que temos que fazer é continuar efetivamente dando condições técnicas operacionais para os terminais. Mas é mercado. Temos que estar sempre um passo a frente do mercado.

DIARINHO – Como você encara as críticas de Marcelo Petrelli, do sindicato dos Despachantes Aduaneiros, sobre o aumento de tarifas portuárias praticadas em Itajaí? Segundo ele, a majoração de taxas, que acontecia uma vez por ano, passou a duas. Isso agravou a crise?
Marcelo: Discordo em um aspecto: quando ele fala assim, parece que todas as tarifas tiveram acréscimo. Eu acho que temos de analisar a atividade por dois ângulos, dois grandes usuários. Nós temos o armador e temos os usuários importadores/despachantes. Quando ele fala dessa tarifa, desses valores, ele está falando dos usuários. Não está falando dos armadores. O que eu entendo, nesses anos todos, e durante muitos anos se praticou isso aqui em Itajaí, que a gente tinha uma capacidade de espaços. Até o tipo de carga. O porto é formado por uma composição de receitas. Muitas vezes, nós fizemos, eu acredito que a Portonave fez, eu tenho espaços físicos, essa carga me interessa, ela me dá uma alta remuneração e armazenagem, logo eu posso melhorar minha operação portuária para obter a carga. Os usuários se utilizam disso. Tudo é importante, tem que estar olhando o mercado, os competidores diretos. Só que o doutor Ricardo Arten [da APM] justifica ao Marcelo, e eu não tivesse acesso a essas tabelas, para emitir fatos: ‘essa aqui é minha tabela de preços máximos, porque eu estou na área do porto público, eu tenho uma obrigação legal de sempre publicar minha tabela máxima. Como eu sou privado, eu posso trabalhar negocial’. Ele alega que mais de 70% dos seus usuários não praticam essa tabela. Ela é negocial em função de volume, em função de frequência, utilização. Eu acho que é um elemento que todos nós, comunidade, teremos que verificar. Mas que fique bem claro: é um ente, um segmento, que tem que ser analisado. [Mas isso não seria determinante para a crise?] Nesse momento não. Nesse momento é a condição operacional para o armador.

DIARINHO – O que teria que ser feito para tornar a concorrência entre a Portonave e a APM mais isonômica?
Marcelo: Na minha interpretação de técnico, não tem como a Portonave não pagar algumas tabelas, tarifas para o porto. A lei é muito clara: dentro da área do porto organizado todo mundo tem que recolher, todo mundo tem que pagar. Da mesma forma que eu entendo que a Portonave tem obrigação de vir ao Ogmo buscar mão de obra. É a minha interpretação, porque o navio está atracado dentro da poligonal, dentro do porto organizado. A lei não dá exceção. [A saída seria que a Portonave passasse a pagar algumas taxas como paga a APM?] Isso. E de alguma forma deixaria a condição mais isonômica. [A proposta de dividir as cargas entre as duas operadoras, além de a Portonave ser contra, ela era inviável?] Era muito difícil. Foi uma solução salomônica pensada por nós. Mas se você começar a olhar, que lá fora, esses grandes armadores disputam o mercado mundial, e estamos falando em milhões de toneladas, é muito complicado.

DIARINHO – Quais serviços poderiam ser agregados aos já prestados pela APM para compensar as perdas com a saída dos armadores?
Marcelo: O doutor Arten está trabalhando em uma linha, só que ele me pediu sigilo. É uma linha que tem uma expectativa muito grande no mercado e se outros, terceiros, souberem vão trabalhar em cima; a gente tem diversos competidores. Não é só a Portonave, Santos Brasil, Itapoá, Paranaguá. [A única forma é ter novas linhas?] É. A outra coisa que vamos todos concentrar e vai depender da mão de obra também, e eles estão trabalhando em cima, é trabalhar outras cargas intermediárias como carga geral, outros tipos de carga que já tivemos aqui, a e granel, que permita a operação durante esse período até que sejam feitas novas concorrências e a gente possa de novo entrar no mercado. Não é o ideal, mas no momento que você tem custos fixos, você tem custos de mão de obras, custos de obrigações legais, você tem que procurar outro tipo de carga. Claro que inicialmente e preferencialmente seria carga refrigerada.

DIARINHO – Itapoá oferece melhores condições de acesso e já está levando armadores. Como reverter este quadro?
Marcelo: Itapoá está em uma condição de uma baía e tem profundidades naturais muito boas. Hoje a retroárea não é muito grande e isso desfavorece. [Qual a maior retroárea do nosso estado?] Imbituba. Ela está em 500, 600 mil metros quadrados de retroárea. Portonave, agora com a ampliação, vai para quase 400 mil. Nós estamos em torno de 180, e iriamos para quase 400 mil – por isso estamos trabalhando muito com esse cenário de ficarmos competitivos. Itapoá está ampliando sua área. Ela tem 100 e poucos, e vai ficar com mais 200 mil. Mas não é só área física de recepção, quando eu coloco isso, eu coloco todos esses armazéns, pátios de vazios, câmeras frigorificadas, esse complexo. Não é uma situação que nós devemos ficar confortáveis nunca, mas se nós mantivermos os nossos índices de produtividade que é a atração da carga, o nosso complexo logístico que aqui tem, nós mantemos essa carga. Estamos desenvolvendo outros projetos. Os portos no mundo têm uma graduação. O porto de primeira geração, porto inicial, o navio chegava e trocava mercadorias com a cidade. O segundo ele já agregava parte de transportes. O terceiro, que é o qual nós estamos hoje, é o porto que efetivamente já faz a linha de transporte e distribuição, já tem algumas estações aduaneiras. O quarto ele agrega parte logística que não temos, com multimodalidade. A ideia seria criar um grande centro de apoio logístico e aproveitando o traçado litorâneo, nós teríamos ferrovia, teríamos hidrovia, teríamos dutovia, porque nós teríamos essa facilidade aqui próximo do duto que não estamos explorando ainda, e teríamos aeroportuária e o complexo de portos. Nós teríamos condições de operador do transporte multimodal. Aquele que opera a carga em todo o seu fluxo. Teríamos a possibilidade da interligação ferroviária, com toda a malha Conesul. Nós teríamos uma faculdade que poucos teriam: rodoviário, ferroviário, aquaviário, dutoviário e aeroportoviário. Estamos defendendo isso, montamos um projeto neste sentido para que o governo pudesse adquirir essa área, criasse uma PPP [parceria público privada] ou concessão para que as empresas se estabelecessem como ocorre no mundo inteiro. Iríamos para o porto de quarta geração.

DIARINHO – Como lidar com a concorrência na própria região se os custos estão mais caros e o mercado global vem se retraindo?
Marcelo: Essa faculdade é aquela faculdade que o setor público tem que é uma das mais nobres: de fazer o planejamento indutor de desenvolvimento. Se ele perder essa capacidade, que estamos conversando na SEP e na Antaq, quem será esse síndico que pensa por todo? Quem fará isso? Quem será o indutor para, politicamente, ir lá e pedir esses recursos para a implantação de uma área como essa. Quem é o indutor de ir ao governo e pedir: ‘governo coloque parte do seu pacto aqui e faça obras nesses negócios’. Isso que estamos dizendo. A atividade concorrencial é extremamente salutar, mas é importante que a gente tenha essa isonomia, esse equilíbrio para que todos concorram de igual para igual.

DIARINHO – Há cerca de duas décadas, quando se anunciou a possibilidade de Navegantes também ter um porto, houve uma grande mobilização política do lado de Itajaí, tentando evitar, justamente temendo a concorrência. Houve um grande trabalho para “acalmar” os ânimos. O que foi dito é que os portos jamais seriam concorrentes, até porque trabalhariam com cargas complementares. O porto de um lado atenderia um tipo de clientes e o outro porto outro perfil da clientela. Dividiriam custos e assim a região ganharia em riqueza e competividade. O que aconteceu? 
Marcelo: Eu fui um desses que ficou marcado por Navegantes como quem não queria que tivesse um porto lá. Na verdade, não é que não queria. Foram os elementos que foram levantados a nível da legalidade. Eu entendi: o gestor que aqui está tem que cumprir e fazer cumprir a lei, mesmo sendo a Antaq, a outorgante, durante muitos períodos que eu estive aqui, eu questionei a Antaq administrativamente e até juridicamente. Eu não era contra o terminal de Navegantes, como todos diziam. Eu queria que ele tivesse condições técnicas iguais de competitividade com Itajaí. [Já previa o que está acontecendo agora?] Sim. Eu fazia uma analogia, na época, dizendo: um pai tem dois filhos, um mais velho e um mais novo. O mais velho tem as obrigações de pagar os impostos da casa, pagar a luz, pagar a água, limpar a casa. O novo não, só vai ter direto aos bônus da receita. Eu questionava isso. Questionava também sobre a situação da carga própria, que foi legalizada. Eu acho que eu estava certo, senão não teria necessidade de ter saído uma lei legalizando esse tema. Da mesma forma que neste momento, como técnico, sei que, mais uma vez vou apanhar, mas estou dizendo o que penso. Eu entendo que há uma necessidade de ter equilíbiro para que as duas operadoras tenham condições concorrenciais. Pena que estejamos passando por isso agora, mas foi o que na época já levantávamos. Nós vamos ter a mesma condição de concorrer? Não. [Houve incompetência de alguém?] Na qualidade de gestores, nós chegamos inclusive a arguirmos a Antaq. Tanto é que isso gerou um processo junto ao TCU [Tribunal de Contas da União], e o TCU analisou todos os argumentos. A lei veio e regularizou. Nós não estávamos tão malucos assim.

DIARINHO – Desde que se iniciou esse momento de crise no porto de Itajaí, o senhor a passou a falar pelo superintendente Antonio Ayres. Por que?
Marcelo: O doutor Antônio está correndo muito. Agora está em Brasília e me pediu para dar um suporte nessa área, tecnicamente, porque tem várias demandas, vários elementos sendo executados. Existem elementos que não dependem da gente, dependem de terceiros... Como eu também sou um apaixonado por essa atividade, tenho uma bagagem, passei por vários portos, por várias atividades, isso me deu uma bagagem grande. Eu tive oportunidade de passar em porto pesqueiro, porto carvoeiro, porto contêineiro, porto graneleiro e um porto de turismo. Poucos tiveram essa oportunidade de serem gestores dessa gama de atividades. E se eu puder contribuir com o meu conhecimento, que bom...

  •   Av. Coronel Eugenio Muller, 383 - Centro, Itajaí - SC
  •   (47) 3241-9100 | (47) 98805-3702
  • ogmo@ogmoitajai.com.br