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Cresce movimento contra privatização dos portos

À medida que avançam os preparativos para a desestatização dos portos organizados, cresce também o movimento de resistência ao processo, com a adesão de prefeitos e de aliados do governo federal no Senado.

Cinco administrações portuárias estão na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI): as companhias docas do Espírito Santo (Codesa) e da Bahia (Codeba), a Santos Port Authority (SPA), os portos de Itajaí (SC) e São Sebastião (SP). O processo da Codesa, mais avançado dos cinco, está na reta final de análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pode ser apreciado em plenário até o fim de novembro.

Trabalhadores e donos de terminais que operam em Vitória e Barra do Riacho, área de atuação da estatal capixaba, querem frear a privatização.

“Nunca houve uma conversa real com o governo. Houve uma audiência pública protocolar, em que ouviram para cumprir uma etapa formal, sem escutar ou incorporar melhorias”, reclama o diretor-executivo da Poseidon Marítima e presidente do Sindicato dos Operadores Portuários do Espírito Santo, Roberto Garofalo.

Ele vê risco de aumento dos custos e de seletividade das cargas, com preferência da futura administração privada dos portos por ampliação e construção de novos terminais para movimentar produtos mais rentáveis, não necessariamente em conformidade com o interesse público.

Em carta enviada na semana passada ao ministro Bruno Dantas, relator do processo de desestatização da Codesa no TCU, a Federação Nacional dos Portuários – principal representação de trabalhadores do setor no país – enumerou um conjunto de ressalvas.

“É indispensável realçar que a concessão projetada terá duração de 35 anos, podendo chegar a 40 anos [em caso de reequilíbrio econômico do contrato], o que mais provavelmente deverá ocorrer. Ou seja, estamos falando de uma alteração profunda na organização de um setor vital para a economia que durará quatro décadas”, afirmou.

Entre as preocupações, estão uma suposta subestimativa da demanda e a cobrança de 7,5% da receita bruta anual da futura administradora dos portos no Espírito Santo, que deverá ser repassada à União como outorga variável. O temor é que haja aumento de taxas para gerar caixa suficiente. Outro aspecto tem a ver com o “valuation” (precificação) da Codesa. O valor mínimo de outorga baixou de R$ 719 milhões, na primeira proposta submetida a audiência pública, para os R$ 471 milhões atuais.

A eficiência portuária no Brasil está em 91º lugar, entre 139 países, no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. Os terminais responsáveis pela movimentação de cargas já são operados quase exclusivamente pelo setor privado, mas a administração dos portos organizados ainda cabe à União ou a Estados e municípios. É como se fosse um shopping, no qual lojas são privadas e a gestão do condomínio ainda é estatal.

As companhias docas inverteram o prejuízo histórico e começaram a dar lucro em 2019, mas o governo avalia que elas não têm dinheiro nem agilidade suficientes para fazer investimentos em atividades como dragagem e acessos terrestres. A privatização de Santos, por exemplo, prevê aportes de R$ 16 bilhões. Além dos recursos, um ponto sempre observado é a demora nos processos licitatórios de obras e serviços.

Para o consultor Frederico Bussinger, ex-diretor da Codesp e ex-presidente do Porto de São Sebastião, as privatizações de companhias docas são ruins para o ecossistema portuário e contrariam as boas práticas internacionais. “O benchmark aponta em outra direção. Autoridade portuária não é ativo. É uma função, que precisa equilibrar potenciais conflitos de interesses”, afirma.

Bussinger acrescenta que as administrações de portos nos EUA, na Europa e na Ásia continuam nas mãos do Estado. Na Austrália, experiência que costuma ser citada como modelo de gestão desestatizada, tem havido problemas, segundo o consultor. Ele acredita que as atividades de carregamento e descarregamento de cargas (“o mais importante”), como açúcar e contêineres, tiveram aumento considerável de eficiência desde os anos 1990 e já equivalem às melhores performances globais.

Como alternativa à privatização, o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), mandou ofício ao Ministério da Infraestrutura, no dia 20 de outubro, pedindo a abertura de conversas sobre uma eventual municipalização do porto – sem dispensar o arrendamento de áreas internas e terminais ao setor privado.

Em Itajaí, o porto foi delegado para o município até o fim de 2022. O prefeito Volnei Morastoni (MDB) também encaminhou uma carta ao ministro Tarcísio Freitas, na semana passada, pleiteando estender essa delegação por 25 anos. Ele teme desordenamento urbano com a perspectiva de triplicação da área do porto sob a iniciativa privada.

Os senadores Jorginho Mello (PL) e Esperidião Amin (PP), ambos de Santa Catarina e aliados de Bolsonaro no Congresso Nacional, respaldaram esse pedido em recente audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado.

Para articular o movimento contrário à privatização, foi criado neste ano o Fórum Permanente de Defesa Portuária, com a participação de empresas e sindicatos trabalhistas. A frente prioritária é a mobilização contra a venda da Codesa – alienação do controle acionário da estatal e concessão da autoridade portuária simultaneamente -, que abriria caminho para as privatizações seguintes.

Guilherme Lacerda, ex-diretor do BNDES e integrante do fórum, diz que os estudos estão “eivados de questões nebulosas” e garante que o movimento contra a privatização não tem caráter ideológico.

Ele defende como alternativas a abertura de capital da Codesa (com uso dos recursos levantados para obras de modernização) ou a criação de um condomínio (com os operadores de terminais) para administrar o porto. “Não deveríamos ficar acomodados, não se trata disso, mas o modelo proposto levará à oligopolização da atividade portuária”, afirma Lacerda.

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