Argentina pretende licitar usina que construirá com o Brasil
O governo argentino quer licitar, no último trimestre de 2010, a construção da usina binacional de Garabi. A hidrelétrica, no rio Uruguai, terá potência de 2 mil megawatts (MW) e será erguida em parceria com o Brasil. Isso equivale a cerca de 6% do atual parque gerador da Argentina e a metade da demanda por energia do RS.O secretário de Energia da Argentina, Daniel Cameron, reconhece que esse cronograma é apertado, mas o considera factível. "Estamos pedindo a aceleração do processo. Sabemos que as normas ambientais brasileiras são mais duras", afirmou Cameron. Ele planeja o início das obras em 2011. "Esperamos contar com a energia de Garabi, no máximo, a partir de 2016."
Cameron, cujo cargo é o mais alto do governo para assuntos energéticos (a área não tem um ministro específico), espera a conclusão do novo inventário do rio Uruguai para definir se o pacote de Garabi incluirá outro aproveitamento menor, o de Roncador. Se essa segunda usina sair, o parque hidrelétrico somará 2,3 mil MW. Ainda não há estimativa certa do investimento.
Uma alta fonte do governo em Brasília, ao ser informada da expectativa de Cameron, disse que ela é excessivamente otimista. Os estudos de inventário, primeiro passo para a identificação do potencial de geração hidrelétrica, estão na reta final. No primeiro inventário, feito nos anos 70, previa-se a inundação de mais de 80 mil hectares. No segundo, realizado em 2003, a estimativa de área alagada diminuiu para 32 mil hectares. Agora, estuda-se a divisão em dois reservatórios menores para reduzir os impactos ambientais do projeto, que ficará entre o Rio Grande do Sul e as províncias de Corrientes e Misiones.
A declaração conjunta dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner em sua última reunião, em novembro, prevê o início dos estudos de viabilidade econômico-financeira e de impactos ambientais para o segundo trimestre. Na avaliação de Cameron, que precisa lidar com um balanço apertado entre oferta e demanda na Argentina, pode-se terminar tudo até os últimos meses de 2010.
A fonte brasileira comentou que o projeto desperta interesse na iniciativa privada, mas ainda não se sabe se ele será licitado com as mesmas características dos leilões de usinas no Brasil, como Jirau e Belo Monte. Por tratar-se de um projeto binacional, não prevalece a legislação brasileira. O acordo entre os dois países determinou que as estatais Eletrobrás e Ebisa constituam uma associação para desenvolver o empreendimento, além de fazer prospecções para o financiamento das futuras obras.
Para a área energética do governo brasileiro, há viabilidade em oferecer a concessão das usinas ao setor privado, em possível aliança com a Eletrobrás, mas isso depende de um acerto político "de alto nível". Do lado argentino, conta a favor da concessão a experiência ruim com a binacional de Yaciretá, feita em parceria com o Paraguai, cujo custo de construção se multiplicou e onerou os cofres argentinos por décadas. Se for mantido o acordo atual, a Eletrobrás e a Ebisa seriam encarregadas de construir e operar Garabi (e Roncador). "A Eletrobrás tem bala na agulha para isso", acrescentou a fonte. Nesse caso, seriam licitados apenas os equipamentos e as obras civis, não a concessão.
De acordo com Cameron, que preferiu não opinar sobre o modelo a ser adotado para erguer as usinas, cada país ficará com 1 mil MW de potência. A ideia do secretário argentino é que a geração das hidrelétricas seja conectada diretamente ao sistema de transmissão de cada país, podendo dispensar a atual estação conversora de Garabi-Rincón Santa Maria. Essa estação permite atualmente a "troca" de energia entre Brasil e Argentina. O Brasil fornece até 2,2 mil MW médios para a Argentina no inverno, que se compromete a devolver a energia na primavera.
Na segunda-feira da semana passada, enquanto o Brasil realizava seu primeiro leilão exclusivo de energia eólica, Cameron e a presidente Cristina Kirchner abriam os envelopes com as ofertas da primeira licitação de energias renováveis na Argentina. A intenção era contratar 1.015 MW, com contratos de compra de energia garantida por 15 anos. As 22 propostas superaram a expectativa do governo e chegaram a 1,4 mil MW.
No total, os investimentos podem chegar a US$ 2,5 bilhões e serão feitos por empresas argentinas e multinacionais, como a Impsa e a Isolux. Quase 90% dos projetos apresentados eram de usinas eólicas. O governo recebeu menos ofertas do que o esperado em energia solar, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas. Mas prometeu fazer novas licitações para completar a carteira planejada de empreendimentos. Hoje, 57,4% da matriz elétrica da Argentina é de fontes térmicas (gás, petróleo e carvão). A geração hidrelétrica corresponde a 38,7% do parque gerador e as duas usinas nucleares representam 3,8% da capacidade instalada. A Argentina definiu, em lei aprovada em 2006, que a matriz elétrica deverá ter 10% de energias renováveis (sem contar hidrelétricas) em um prazo de dez anos.