Portos: centros de custo, lucro e competitividade*
Está para ser divulgada a nova regulamentação para portos privados no Brasil. Trata-se de uma legislação importante para o nosso desenvolvimento nas próximas décadas. Portos são parte fundamental da infraestrutura logística; se não houver investimentos ou se a regulação do setor for falha, pode ser criado um gargalo prejudicial não apenas à competitividade das indústrias exportadoras como à economia do país como um todo.A boa notícia é que tem havido muito interesse da iniciativa privada em investir no setor. Resta saber se as autoridades regulatórias saberão aplicar regras que permitam essa expansão com ganhos de eficiência e preservando a concorrência.
Trata-se de um bom momento para refletir sobre as razões que justificam a regulação do Estado nesse setor. Nesse artigo, eu discuto duas dessas razões: o caráter público da atividade portuária e o argumento de que portos podem ser instalações essenciais.
Convém lembrar que existem também razões para o Estado não intervir. Ninguém melhor que você mesmo para decidir que profissão vai exercer, o que comprar, ou onde investir suas economias. Não apenas isso é um direito seu, mas você é a pessoa que tem a informação necessária para melhor decidir. É por essa razão que quase sempre a melhor política governamental para a prosperidade e o desenvolvimento econômico é não cercear esse direito.
Há, no entanto, exceções: mercados que funcionam melhor quando o governo intervém, seja participando diretamente, seja regulando a atividade privada. Um setor em que participação estatal é comum é o portuário.
Uma justificativa usada é a de que se trata de um setor de infraestrutura cujo desenvolvimento possibilita ou facilita outras atividades econômicas. Como uma rodovia ou uma ferrovia, a presença de um porto é essencial à atividade econômica em muitos setores para escoar a produção e obter insumos.
Isso explica por que portos são estratégicos, mas não por que a atividade portuária deva ser regida pelo Estado. Muitos outros setores são também estratégicos nesse sentido; por exemplo, aço é um insumo usado em virtualmente todas as atividades industriais, mas a indústria siderúrgica pode funcionar sem a presença de um monopólio estatal ou de uma agência reguladora.
O investimento estatal é comum em logística; por exemplo, na construção de rodovias. Mas nesses casos o que ocorre é a provisão de um bem público. Uma rodovia sem pedágios presta um serviço valioso para os usuários que nela trafegam, mas nunca seria construída por uma empresa privada, já que ela não teria como recuperar o capital investido.
Não me parece que esse seja o caso dos portos. O administrador de um porto pode facilmente cobrar, e cobra, diretamente dos usuários a maior parte dos serviços prestados. As exceções, atividades como dragagem, manutenção de sinalização marítima, segurança e combate a incêndios marítimos e controle alfandegário, podem continuar sendo providas ou reguladas separadamente pelo Estado.
Uma outra razão, essa sim potencialmente importante, é a de que portos podem ser instalações essenciais. O termo instalação essencial, uma tradução de "essential facility" em inglês, é usado no contexto de defesa da concorrência para descrever a seguinte situação: Suponha que diversas empresas estejam em competição num mercado e todas elas precisem ter acesso a um mesmo ativo para operarem. Por exemplo, diversas empresas exportadoras de um mesmo produto operam numa região onde há um único local apropriado para um porto.
Nesse caso, a propriedade privada pode ser danosa à competição se uma das empresas exportadoras controlar o porto e impedir o uso dele por suas rivais. O controle da instalação essencial - no caso, o porto - pode ser usado para a monopolização de outro mercado que dele depende. Numa situação desse tipo, se justifica manter o porto em mãos estatais, ou regular para que o controle seja exercido por uma empresa independente, ou que a empresa exportadora seja forçada a permitir o uso da instalação por empresas rivais a preços módicos.
A doutrina das instalações essenciais se aplicaria no contexto brasileiro atual? De maneira geral, não. O componente central do argumento é o de que o porto é uma instalação que não pode ser reproduzida pelas empresas rivais. Essa premissa não é válida num contexto em que há muitos locais disponíveis para a construção de portos.
Uma regulação preocupada com o problema das instalações essenciais estaria voltada para fomentar o livre acesso de terceiros aos portos privados.
Curiosamente, a tendência dos reguladores no Brasil parece ter o objetivo oposto, impondo mais restrições para projetos que prevejam a movimentação da carga de terceiros. O decreto nº 6.620 até mesmo define o termo "carga de terceiros" como sendo aquela que tem "a mesma natureza da carga própria que justificou técnica e economicamente o pedido de instalação do terminal privativo, e cuja operação seja eventual e subsidiária". Ou seja, quanto mais privativa a carga, melhor.
Em entrevista ao "Estado de S. Paulo" (18/1/2010), o ministro da Secretaria Especial de Portos, Pedro Brito, afirmou que "o terminal privativo não deve funcionar como centro de lucro, mas centro de custo". Essa é uma distinção artificial: uma redução de custo é, contabilmente, um aumento do lucro dessa empresa, e também um aumento de competitividade. Um investimento que gera lucro ao permitir o escoamento de carga de terceiros aumenta a competitividade da nossa indústria. Cabe às autoridades reguladoras zelar para que esses ganhos de competitividade sejam obtidos, preservando a livre concorrência.
O ideal é um marco regulatório que dê liberdade para investir em novos portos, dê liberdade aos usuários para escolher, e dê liberdade para que todos os atores no mercado da administração portuária - atuais concessionárias de portos organizados, atuais e futuras operadoras de instalações privativas - possam concorrer entre si.
* Leonardo Rezende é professor no departamento de Economia da PUC-Rio.